Por André Rabelo e Felipe Novaes*
Stromswold, K. (1998). Genetics of Spoken language disorders. Human Biology, 70, pp. 297-324.
Stromswold, K. (2001). The Heritability of Language: A Review and Metaanalysis of Twin, Adoption, and Linkage Studies. Language, 77 (4), 647-723 DOI: 10.1353/lan.2001.0247
* Felipe Novaes é graduando em Psicologia pela UFRJ e escreve para o blog NERDWORKING. André Rabelo é estudante de graduação do curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Além de ser editor do Blog Ciência - Uma Velha no Escuro, é colaborador do Blog de Astronomia do astroPT e do Bule Voador.
A rejeição contemporânea da natureza humana tem a ver com o medo da desigualdade, do racismo, da guerra e da violência, visto que durante o século XX algumas explicações biológicas foram (mal) forjadas por pessoas para justificar idéias eugenistas e racistas.
Portanto, tais receios não são totalmente injustificáveis, visto que movimentos como o nazismo, por exemplo, ficaram conhecidos por fazer uso de explicações supostamente biológicas (como a noção de raça superior que deveria dominar), de uma forma totalmente deturpada para cometer atrocidades.
O problema é que estas preocupações que se pautam exageradamente no passado acabam ignorando a proposta atual da utilização de explicações biológicas, que é diferente da que foi feita, de forma distorcida e desonesta, no passado por certas figuras políticas.
A própia biologia se encarregou de demonstrar que somos todos primos, unidos pela mesma árvore da vida, sendo que diferenças superficiais como a cor da pele ou o formato dos olhos não podem dizer quais são os nossos potenciais nem as nossas características fundamentais, muito menos a nossa função social. Dois avanços importantes na teoria genética ajudaram a desmisitifcar o determinismo genético (Gould, 1991): a idéia de herança poligênica e a falta de diferenciação genética entre humanos. Essas duas idéias podem ser resumidas, respectivamente, da seguinte forma: as características humanas são o resultado da participação de vários genes juntamente com um “exército de efeitos interativos e ambientais” (Gould, 1991); as diferenças genéticas entre indivíduos das diversas raças humanas são extremamente pequenas, ou seja, não existem “genes raciais” que diferenciem uma raça da outra.
A antipatia à explicações biológicas, ironicamente uma “herança” do debate entre o que era inato ou aprendido, surgiu principalmente por conta de idéias como o darwinismo social, o determinismo genético e a frenologia.
O darwinismo social foi um pensamento desenvolvido inicialmente por Robert Spencer, que defendia a aplicação da idéia de “sobrevivência dos mais aptos” às instituições sociais (Otta e Yamamoto, 2009), justificando assim, de alguma forma, a desigualdade social como sendo um resultado natural do sucesso dos mais aptos. Esta concepção foi uma utilização distorcida e superficial da teoria da evolução de Darwin, mas que ganhou a simpatia de determinados setores da sociedade interessados em justificar a desigualdade e políticas preconceituosas como a eugenia e a higienização social.
A forma brutal como a natureza funciona não deve ser o modelo no qual devemos basear nossa sociedade, e a teoria da evolução de Darwin não propôs que devessemos nos inspirar na natureza para construir uma sociedade. Argumentar que algo é bom porque é natural é uma falácia naturalista, visto que as questões factuais com as quais a teoria de Darwin lidava nada tinham a informar sobre questões morais nem poderiam provar a validade de qualquer julgamento de valor (Evans e Zarate, 1999).
O determinismo genético foi uma visão que muitos biólogos tiveram do papel dos genes nas características fenotípicas e no comportamento das pessoas, e que hoje em dia não encontra apoio na comunidade científica. Muitos etólogos e psicobiólogos acreditavam que os animais herdavam de seus ancestrais padrões fixos de resposta e que a hereditariedade seria a principal origem até mesmo de comportamentos mais complexos.
A briga entre etólogos e psicólogos behavioristas se amenizou quando ambos começaram a perceber que seus modelos eram corroborados por várias evidências, o que indicava que a suposta “oposição excludente” entre o aprendido e o genético não era tão verdadeira. Etólogos entenderam que comportamentos poderiam ser altamente flexíveis e modificáveis, ao passo que behavioristas passaram a compreender que existem predisposições em muitos organismos para associar determinados estímulos, além de existirem fortes restrições biológicas aos estímulos que podem ser condicionados.
Como os exemplos citados no início da Parte 1 deixam claro, atualmente os biólogos não estão propondo que genes determinam o destino das pessoas, tamanha é a influência do ambiente e da nossa capacidade de adaptação. Diferentes características terão diferentes influências genéticas, e uma grande parte das características humanas poderá se expressar de diferentes formas a depender do seu ambiente.
O campo de estudo da epigenética, por exemplo, vem se consolidando como importante avanço na biologia molecular ao investigar como padrões de expressão genética de um indivíduo podem ser modificados pelo ambiente e transmitidos para seus descendentes. Esse campo de pesquisa evidencia que os biólogos tem investigado seriamente os efeitos do ambiente de desenvolvimento dos organismos e que, portanto, o determinismo genético é uma visão ingênua, antiga, insuficiente e desatualizada do entendimento biológico humano.
A frenologia foi apropriada pelo senso comum para classificar as pessoas em violentas e bondosas, de acordo com protuberâncias no crânio. Nessa época, muitos estudiosos foram contra a idéia porque era bem exótico pensar que um tecido gelatinoso como o cérebro exercesse pressão suficiente contra o crânio ao ponto de formar elevações. Mas como a idéia da frenologia encontrou um solo fértil, ela fez mais sucesso. Outro exemplo é “a anatomia de um assassino”, criada pelo italiano Cesare Lombroso.
Essas e outras idéias hoje não possuem mais aceitação na comunidade científica, mas ainda assim as ciências humanas guardaram um profundo rancor de tudo que tem biologia no nome ou está associado à ela. Isso as impede de reconhecer as conclusões tiradas de pesquisas biológicas, se esquecendo que o homem também possui uma biologia, e não só uma história. É preciso reconhecer as dimensões de atuação orgânica. Uma das linhas de pesquisa mais emblemáticas desse caso é a que estuda os gêmeos.
Uma série de estudos indicam que gêmeos idênticos criados separadamente são muito parecidos, gêmeos idênticos criados juntos são mais parecidos do que gêmeos fraternos criados juntos e irmãos biológico são mais parecidos do que irmãos adotivos (Bouchard, 1994, 1998; Bouchard e McGue, 1990; Lykken et al., 1992; Plomin, 1990; Plomin, Owen e McGuffin, 1994; Strmswold, 1998, 2001). Por outro lado, a relação entre o QI e a personalidade de adultos que quando pequenos foram criados juntos como irmãos adotivos é insignificante (Plomin, 1990).
Uma pesquisa curiosa sobre o assunto mostra que se você tem um irmão gêmeo idêntico que se divorciou, você possui 18 vezes mais chance de se divorciar também. Já no caso de irmãos fraternos, a probabilidade cai para 2 vezes somente (MgGue e Lykken, 1992). Esse é um exemplo claro de como a genética possui correlação com o comportamento. Mas isso não significa que haja uma correlação causal com o ato do divórcio. Não existe um gene do divórcio, mas existem certos fatores influenciados pela genética que se correlacionam com a possibilidade maior ou menor de alguém ser apto a uma vida a dois. Alguns desses fatores é o temperamento, a agressividade e a sede por dominância. Esse tipo de relação é chamada de covariação-gene-ambiente.
Não precisamos temer um surto psicótico mundial ou a ascenção de um novo regime ditatorial e racista só por reconhecer que como espécie, as pessoas compartilham uma natureza. Aceitarmos que o comportamento violento, por exemplo, não é apenas uma criação histórica, poderia nos ajudar a compreender de forma mais completa este comportamento e, conseqüentemente, poderia resultar em meios mais eficazes de reduzir o comportamento violento. O mesmo aconteceria com certas injustiças sociais, como a humilhação que certos grupos, etnias e raças sofrem (como a exploração de mão-de-obra infantil, tratamento humilhante sofrido contra as mulheres em países machistas como o Irã; a mutilação de órgãos sexuais em rituais religiosos).
Supor que o ser humano é uma tábula rasa pode incentivar ou ignorar atitudes como a tolerância ao tratamento miserável que é dado à mulher em certos países, mutilações e comportamentos em geral que infringem dor às pessoas. O argumento de que temos que respeitar culturas diferentes, pois cada uma é singular, acaba a partir do momento em que o sofrimento é causado, visto que dor não é apenas uma criação cultural. Afinal, não importa a cultura, ninguém gostará de ser ferido nem menosprezado de forma cruel, por mais que aprenda a se submeter e não questionar os sofrimentos aos quais é imposto.
Podemos concluir o entendimento que surgiu do debate entre inato e aprendido da seguinte forma: as bases genéticas dos comportamentos e o ambiente onde o organismo vive fazem parte de um único processo, o desenvolvimento. Portanto, aspectos biológicos e de aprendizagem do comportamento não são de forma alguma excludentes ou suficientes cada um em si, mas sim duas dimensões totalmente interligadas do processo de desenvolvimento de um organismo.
Referências:
Bouchard, T. (1994). Genes, environment, and personality Science, 264 (5166), 1700-1701 DOI: 10.1126/science.8209250
Bouchard TJ Jr (1998). Genetic and environmental influences on adult intelligence and special mental abilities. Human biology, 70 (2), 257-79 PMID: 9549239
Bouchard, T., & McGue, M. (1990). Genetic and Rearing Environmental Influences on Adult Personality: An Analysis of Adopted Twins Reared Apart. Journal of Personality, 58 (1), 263-292 DOI: 10.1111/j.1467-6494.1990.tb00916.x
Evans, D., & Zarate, O. (1999). Introducing evolutionary psychology. Cambridge, United Kingdom: Icon Books.
Gould, S. J. (1991). A falsa medida do homem. São Paulo, Martins Fontes.
Lykken, D., McGue, M., Tellegen, A., & Bouchard, T. (1992). Emergenesis: Genetic traits that may not run in families. American Psychologist, 47 (12), 1565-1577 DOI: 10.1037//0003-066X.47.12.1565
McGue, M., & Lykken, D. (1992). Genetic influence on risk of divorce. Psychological Science, 3 (6), 368-373 DOI: 10.1111/j.1467-9280.1992.tb00049.x
Otta, E. & Yamamoto, M. E. (2009). Psicologia Evolucionista. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Plomin, R. (1990). The role of enhiritance in behavior. Science, 248, pp. 183-248.
Plomin, R. (1995). Nature and nurture an introduction to human behavioral genetics. The Japanese Journal of Human Genetics, 40 (1), 153-154 DOI: 10.1007/BF01874080
Plomin, R. & Bergeman, C. (1991). The nature of nurture: Genetic influence on enviromental measures. Behavioral and Brain Sciences 14, 373-427.
Plomin, R. & McClearn, G.E. (1993). Nature, Nurture and Psychology. Washington: American Psychological Association.
Plomin, R., Owen, M., & McGuffin, P. (1994). The genetic basis of complex human behaviors Science, 264 (5166), 1733-1739 DOI: 10.1126/science.8209254
Rachels, J. (1991). Created from animals: The moral implications of Darwinism. New York: Oxford University Press.
Stromswold, K. (2001). The Heritability of Language: A Review and Metaanalysis of Twin, Adoption, and Linkage Studies. Language, 77 (4), 647-723 DOI: 10.1353/lan.2001.0247
* Felipe Novaes é graduando em Psicologia pela UFRJ e escreve para o blog NERDWORKING. André Rabelo é estudante de graduação do curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Além de ser editor do Blog Ciência - Uma Velha no Escuro, é colaborador do Blog de Astronomia do astroPT e do Bule Voador.
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