Por André Rabelo e Felipe Novaes*


A rejeição contemporânea da natureza humana tem a ver com o medo da desigualdade, do racismo, da guerra e da violência, visto que durante o século XX algumas explicações biológicas foram (mal) forjadas por pessoas para justificar idéias eugenistas e racistas.

Portanto, tais receios não são totalmente injustificáveis, visto que movimentos como o nazismo, por exemplo, ficaram conhecidos por fazer uso de explicações supostamente biológicas (como a noção de raça superior que deveria dominar), de uma forma totalmente deturpada para cometer atrocidades.


O problema é que estas preocupações que se pautam exageradamente no passado acabam ignorando a proposta atual da utilização de explicações biológicas, que é diferente da que foi feita, de forma distorcida e desonesta, no passado por certas figuras políticas.

A própia biologia se encarregou de demonstrar que somos todos primos, unidos pela mesma árvore da vida, sendo que diferenças superficiais como a cor da pele ou o formato dos olhos não podem dizer quais são os nossos potenciais nem as nossas características fundamentais, muito menos a nossa função social. Dois avanços importantes na teoria genética ajudaram a desmisitifcar o determinismo genético (Gould, 1991): a idéia de herança poligênica e a falta de diferenciação genética entre humanos. Essas duas idéias podem ser resumidas, respectivamente, da seguinte forma: as características humanas são o resultado da participação de vários genes juntamente com um “exército de efeitos interativos e ambientais” (Gould, 1991); as diferenças genéticas entre indivíduos das diversas raças humanas são extremamente pequenas, ou seja, não existem “genes raciais” que diferenciem uma raça da outra.

A antipatia à explicações biológicas, ironicamente uma “herança” do debate entre o que era inato ou aprendido, surgiu principalmente por conta de idéias como o darwinismo social, o determinismo genético e a frenologia.

O darwinismo social foi um pensamento desenvolvido inicialmente por Robert Spencer, que defendia a aplicação da idéia de “sobrevivência dos mais aptos” às instituições sociais (Otta e Yamamoto, 2009), justificando assim, de alguma forma, a desigualdade social como sendo um resultado natural do sucesso dos mais aptos. Esta concepção foi uma utilização distorcida e superficial da teoria da evolução de Darwin, mas que ganhou a simpatia de determinados setores da sociedade interessados em justificar a desigualdade e políticas preconceituosas como a eugenia e a higienização social.

A forma brutal como a natureza funciona não deve ser o modelo no qual devemos basear nossa sociedade, e a teoria da evolução de Darwin não propôs que devessemos nos inspirar na natureza para construir uma sociedade. Argumentar que algo é bom porque é natural é uma falácia naturalista, visto que as questões factuais com as quais a teoria de Darwin lidava nada tinham a informar sobre questões morais nem poderiam provar a validade de qualquer julgamento de valor (Evans e Zarate, 1999).

O determinismo genético foi uma visão que muitos biólogos tiveram do papel dos genes nas características fenotípicas e no comportamento das pessoas, e que hoje em dia não encontra apoio na comunidade científica. Muitos etólogos e psicobiólogos acreditavam que os animais herdavam de seus ancestrais padrões fixos de resposta e que a hereditariedade seria a principal origem até mesmo de comportamentos mais complexos.

A briga entre etólogos e psicólogos behavioristas se amenizou quando ambos começaram a perceber que seus modelos eram corroborados por várias evidências, o que indicava que a suposta “oposição excludente” entre o aprendido e o genético não era tão verdadeira. Etólogos entenderam que comportamentos poderiam ser altamente flexíveis e modificáveis, ao passo que behavioristas passaram a compreender que existem predisposições em muitos organismos para associar determinados estímulos, além de existirem fortes restrições biológicas aos estímulos que podem ser condicionados.

Como os exemplos citados no início da Parte 1 deixam claro, atualmente os biólogos não estão propondo que genes determinam o destino das pessoas, tamanha é a influência do ambiente e da nossa capacidade de adaptação. Diferentes características terão diferentes influências genéticas, e uma grande parte das características humanas poderá se expressar de diferentes formas a depender do seu ambiente.

O campo de estudo da epigenética, por exemplo, vem se consolidando como importante avanço na biologia molecular ao investigar como padrões de expressão genética de um indivíduo podem ser modificados pelo ambiente e transmitidos para seus descendentes. Esse campo de pesquisa evidencia que os biólogos tem investigado seriamente os efeitos do ambiente de desenvolvimento dos organismos e que, portanto, o determinismo genético é uma visão ingênua, antiga, insuficiente e desatualizada do entendimento biológico humano.

A frenologia foi apropriada pelo senso comum para classificar as pessoas em violentas e bondosas, de acordo com protuberâncias no crânio. Nessa época, muitos estudiosos foram contra a idéia porque era bem exótico pensar que um tecido gelatinoso como o cérebro exercesse pressão suficiente contra o crânio ao ponto de formar elevações. Mas como a idéia da frenologia encontrou um solo fértil, ela fez mais sucesso. Outro exemplo é “a anatomia de um assassino”, criada pelo italiano Cesare Lombroso.

Essas e outras idéias hoje não possuem mais aceitação na comunidade científica, mas ainda assim as ciências humanas guardaram um profundo rancor de tudo que tem biologia no nome ou está associado à ela. Isso as impede de reconhecer as conclusões tiradas de pesquisas biológicas, se esquecendo que o homem também possui uma biologia, e não só uma história. É preciso reconhecer as dimensões de atuação orgânica. Uma das linhas de pesquisa mais emblemáticas desse caso é a que estuda os gêmeos.

Uma série de estudos indicam que gêmeos idênticos criados separadamente são muito parecidos, gêmeos idênticos criados juntos são mais parecidos do que gêmeos fraternos criados juntos e irmãos biológico são mais parecidos do que irmãos adotivos (Bouchard, 1994, 1998; Bouchard e McGue, 1990; Lykken et al., 1992; Plomin, 1990; Plomin, Owen e McGuffin, 1994; Strmswold, 1998, 2001). Por outro lado, a relação entre o QI e a personalidade de adultos que quando pequenos foram criados juntos como irmãos adotivos é insignificante (Plomin, 1990).

Uma pesquisa curiosa sobre o assunto mostra que se você tem um irmão gêmeo idêntico que se divorciou, você possui 18 vezes mais chance de se divorciar também. Já no caso de irmãos fraternos, a probabilidade cai para 2 vezes somente (MgGue e Lykken, 1992). Esse é um exemplo claro de como a genética possui correlação com o comportamento. Mas isso não significa que haja uma correlação causal com o ato do divórcio. Não existe um gene do divórcio, mas existem certos fatores influenciados pela genética que se correlacionam com a possibilidade maior ou menor de alguém ser apto a uma vida a dois. Alguns desses fatores é o temperamento, a agressividade e a sede por dominância. Esse tipo de relação é chamada de covariação-gene-ambiente.

Não precisamos temer um surto psicótico mundial ou a ascenção de um novo regime ditatorial e racista só por reconhecer que como espécie, as pessoas compartilham uma natureza. Aceitarmos que o comportamento violento, por exemplo, não é apenas uma criação histórica, poderia nos ajudar a compreender de forma mais completa este comportamento e, conseqüentemente, poderia resultar em meios mais eficazes de reduzir o comportamento violento. O mesmo aconteceria com certas injustiças sociais, como a humilhação que certos grupos, etnias e raças sofrem (como a exploração de mão-de-obra infantil, tratamento humilhante sofrido contra as mulheres em países machistas como o Irã; a mutilação de órgãos sexuais em rituais religiosos).

Supor que o ser humano é uma tábula rasa pode incentivar ou ignorar atitudes como a tolerância ao tratamento miserável que é dado à mulher em certos países, mutilações e comportamentos em geral que infringem dor às pessoas. O argumento de que temos que respeitar culturas diferentes, pois cada uma é singular, acaba a partir do momento em que o sofrimento é causado, visto que dor não é apenas uma criação cultural. Afinal, não importa a cultura, ninguém gostará de ser ferido nem menosprezado de forma cruel, por mais que aprenda a se submeter e não questionar os sofrimentos aos quais é imposto.

Podemos concluir o entendimento que surgiu do debate entre inato e aprendido da seguinte forma: as bases genéticas dos comportamentos e o ambiente onde o organismo vive fazem parte de um único processo, o desenvolvimento. Portanto, aspectos biológicos e de aprendizagem do comportamento não são de forma alguma excludentes ou suficientes cada um em si, mas sim duas dimensões totalmente interligadas do processo de desenvolvimento de um organismo.


ResearchBlogging.org
Referências:
Bouchard, T. (1994). Genes, environment, and personality Science, 264 (5166), 1700-1701 DOI: 10.1126/science.8209250

Bouchard TJ Jr (1998). Genetic and environmental influences on adult intelligence and special mental abilities. Human biology, 70 (2), 257-79 PMID: 9549239

Bouchard, T., & McGue, M. (1990). Genetic and Rearing Environmental Influences on Adult Personality: An Analysis of Adopted Twins Reared Apart. Journal of Personality, 58 (1), 263-292 DOI: 10.1111/j.1467-6494.1990.tb00916.x

Evans, D., & Zarate, O. (1999). Introducing evolutionary psychology. Cambridge, United Kingdom: Icon Books.

Gould, S. J. (1991). A falsa medida do homem. São Paulo, Martins Fontes.

Lykken, D., McGue, M., Tellegen, A., & Bouchard, T. (1992). Emergenesis: Genetic traits that may not run in families. American Psychologist, 47 (12), 1565-1577 DOI: 10.1037//0003-066X.47.12.1565

McGue, M., & Lykken, D. (1992). Genetic influence on risk of divorce. Psychological Science, 3 (6), 368-373 DOI: 10.1111/j.1467-9280.1992.tb00049.x

Otta, E. & Yamamoto, M. E. (2009). Psicologia Evolucionista. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Plomin, R. (1990). The role of enhiritance in behavior. Science, 248, pp. 183-248.

Plomin, R. (1995). Nature and nurture an introduction to human behavioral genetics. The Japanese Journal of Human Genetics, 40 (1), 153-154 DOI: 10.1007/BF01874080

Plomin, R. & Bergeman, C. (1991). The nature of nurture: Genetic influence on enviromental measures. Behavioral and Brain Sciences 14, 373-427.

Plomin, R. & McClearn, G.E. (1993). Nature, Nurture and Psychology. Washington: American Psychological Association.

Plomin, R., Owen, M., & McGuffin, P. (1994). The genetic basis of complex human behaviors Science, 264 (5166), 1733-1739 DOI: 10.1126/science.8209254

Rachels, J. (1991). Created from animals: The moral implications of Darwinism. New York: Oxford University Press.

Stromswold, K. (1998). Genetics of Spoken language disorders. Human Biology, 70, pp. 297-324.

Stromswold, K. (2001). The Heritability of Language: A Review and Metaanalysis of Twin, Adoption, and Linkage Studies. Language, 77 (4), 647-723 DOI: 10.1353/lan.2001.0247



* Felipe Novaes é graduando em Psicologia pela UFRJ e escreve para o blog NERDWORKING. André Rabelo é estudante de graduação do curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Além de ser editor do Blog Ciência - Uma Velha no Escuro, é colaborador do Blog de Astronomia do astroPT e do Bule Voador.

Por Felipe Novaes e André Rabelo*


Desde a Grécia antiga até os dias de hoje, uma idéia tem tido grande influência na discussão acerca da natureza humana – a dicotomia entre comportamentos inatos e aprendidos ou explicações biológicas e culturais do comportamento, o que ficou conhecido com o debate nature or nurture, natureza ou criação, inato ou aprendido.


Este debate acalorado teve seu auge na metade do século passado e seu período mais crítico durou cerca de 20 anos, apesar de muitos ambientes acadêmicos ainda enfrentarem este fantasma, fruto de uma antiga disputa que misturou posições ideológicas e políticas com científicas.

De um lado, sociobiólogos e etólogos afirmavam que grande parte dos comportamentos eram inatos; do outro, pesquisadores das ciências sociais e psicólogos behavioristas defendiam que a maior parte dos comportamentos (ou todos) eram aprendidos.


Geralmente, as ciências humanas, sociais e comportamentais adotavam, e ainda adotam em muitos círculos acadêmicos, uma idéia próxima da tábula rasa, conceito criado por John Locke, que afirma que o ser humano nasce como uma folha de papel em branco a ser preenchida pelas experiências. Essa idéia já deveria ter sido revisada desde que, nos últimos anos, repetidas evidências tem apontado diversos aspectos do ser humano como tendo fortes bases biológicas.

Locke
A dicotomia entre inato e aprendido foi sendo vagarosamente substituída por uma visão interacionista entre ambos – depois de perceberem que além do preto e do branco pode existir o cinza também, os estudiosos do ser humano puderam avançar consideravelmente no entendimento de como predisposições biológicas influenciam o comportamento humano e como o ambiente pode afetar a expressão de características genéticas, além de quando essa expressão poderá ocorrer (Dovidio et al., 2006).

Um dos autores do presente texto já descreveu em textos anteriores algumas evidências empíricas corroborando a idéia de que os seres humanos possuem determinadas tendências humanas inatas, “aqui” e “aqui”. Além disso, Dovidio da dois exemplos para ilustrar a relação entre pedisposições e o ambiente de um organismo: psicólogos do desenvolvimento conhecem, já há algum tempo, as diferenças individuais no temperamento de bebês (e.g. mais chorões ou calmos) desde o momento em que nasceram praticamente; também sabe-se hoje que determinados genes vinculados diretamente à atividade cerebral e à certos processos fisiológicos são ativados ou desativados por eventos ambientais.


Um outro exemplo é a linha de pesquisa sobre emoções humanas e suas expressões faciais desenvolvida pelo psicólogo Paul Ekman, que, inspirado nos estudos iniciais de Charles Darwin acerca da expressão de emoções em animais e em seres humanos, encontrou em seus estudos de povos primitivos que a expressão das emoções básicas (raiva, alegria, tristeza, desprezo, medo, surpresa e nojo) são praticamente as mesmas na espécie humana (Ekman, Sorenson e Friesen, 1969; Ekman, 2003), ainda que culturas diferentes possam dar nomes diferentes e acrescentar à sua expressão pequenas sutilezas; o que Ekman chama de emblemas e ilustradores. Todavia, ainda hoje muitos cientistas da área de humanas rejeitam essas pesquisas e chamam Ekman de preconceituoso e racista.

Apesar de esses esclarecimentos terem sido absorvidos por alguma parte da comunidade científica, a negação da natureza humana ainda é algo comum em muitas universidades no mundo, como o psicólogo Steven Pinker ilustra e explora em um de seus livros, Tábula Rasa: A Negação Contemporânea da Natureza Humana. Conforme Pinker (2004):
"O tabu da natureza humana não só põe antolhos nos pesquisadores mas também faz de qualquer discussão sobre o tema uma heresia que precisa ser aniquilada. Muitos autores, de tão desesperados para desabonar toda insinuação de uma constituição humana inata, jogam a lógica e a civilidade pela janela. Distinções elementares – entre “alguns” e “todos”, “provável” e “sempre”, “é” e “tem de ser” – são sofregamente menosprezadas a fim de que a natureza humana seja pintada como uma doutrina extremista e, com isso, os leitores sejam conduzidos para longe dela.
A análise de idéias é comumente substituída por difamações políticas e pessoais. Esse envenenamento da atmosfera intelectual privou-nos dos instrumentos para analisar questões prementes sobre a natureza humana, justamente quando novas descobertas científicas as tornam críticas."
Antropólogos, sociólogos, cientistas políticos, psicólogos e psicanalistas se figuram como os mais ardentes negadores de explicações biológicas acerca do comportamento humano. Para muitos deles, o comportamento pode ter uma base inata, mas o processo de aprendizagem é muito mais importante na hora de explicar o comportamento das pessoas. Também existem concepções mais radicais do ser humano beirando um reducionismo cultural: tudo que o ser humano faz é determinado por sua aprendizagem cultural, as culturas variam de forma quase infinita, caótica e de acordo com nenhum padrão, sendo que até mesmo urinar ou defecar são apenas práticas culturalmente aprendidas.

Lembro ainda hoje de uma aula que tive (Felipe) na faculdade, sobre psicologia do desenvolvimento. Um aluno tinha feito alguma pergunta sobre esse debate nature or nurture e a professora falou algo interessante. Para ela, a biologia e a cultura atuam entrelaçadamente de forma que é um tanto complicado distinguir os dois.

Até aí tudo bem, mas ela prossegue dizendo que “por exemplo, a necessidade de beber água é determinada por fatores culturais. Hoje os médicos afirmam qu devemos beber 2 L de água por dia, mas eu mesma só bebo um copo de água por dia, quando chego em casa de noite; e nunca morri por isso! Lá na Índia existem aqueles monges que são capazes de permanecer dias sem beber água e também não morrem por isso.” Isso foi chocante. Ou o caso de um outro porfessor meu que afirmou que a pressão arterial e seu valor ótimo é cultural, ou seja, podem existir culturas em que seus habitantes possuem uma pressão alta se comparada ao nível recomendado atualmente em nossa sociedade, mas que vivem normalmente sem ter nenhum prejuízo na saúde por conta disso.

Antes mesmo da presença marcante das ciências naturais no debate, como a genética comportamental e a neurociência, esse aspecto já havia sido explorado de alguma forma pelo psicólogo e médico suíço Carl Jung, por exemplo. Ele percebeu que existem diversos símbolos e conceitos de mitologias de povos diferentes, mas que são muito semelhantes. De fato, vemos certas estruturas presentes largamente por aí, tal como o arquétipo do herói, por exemplo, que rege a jornada de heróis como Jesus, Buda, Hércules, Ulisses e outros heróis mitológicos, independente de haver fundo histórico em suas narrativas. Um de nós já escreveu sobre as semelhanças entre histórias contadas de Buda e Jesus “aqui” e “aqui”.

Hoje em dia compreende-se que a pergunta “é inato ou aprendido” é, além de mal formulada, inútil e retrógrada, pois se baseia numa suposta oposição excludente entre o que é inato ou aprendido, quando de fato os dois conceitos não são opostos, e muito menos excludentes.

Toda essa resistência em considerar as evidências não resultou de pesquisas sistematicamente conduzidas que chegaram à outras conclusões, mas principalmente de ideologias que pretendem fundar e modificar a história Linkhumana, selecionando as conclusões “politicamente corretas” às quais os cientistas podem chegar. Algo como “vocês cientistas não devem chegar à essas conclusões, olhem o que poderão estar estimulando”.

Existe nesse pensamento uma noção muito desinformada do que é a pesquisa científica: cientistas fazem pesquisas onde, através de um teste bem elaborado, podem obter mais de um resultado, que acabe corroborando ou não suas hipóteses. Porém, o resultado que será obtido no teste deve estar fora do seu controle de manipulação, portanto não faz parte da pesquisa científica escolher o resultado de algo.

Segunda parte.


ResearchBlogging.org Dovidio et al. (2006). The social psychology of prosocial behavior. New York: Lawrence Earlbaum.
Ekman, P. (2003). Emotions revealed: Recognizing faces and feelings to improve communication and emotional life. New York: Times Books.
Ekman P, Sorenson ER, & Friesen WV (1969). Pan-cultural elements in facial displays of emotion. Science (New York, N.Y.), 164 (3875), 86-8 PMID: 5773719
Pinker, S. (2004). Tábula Rasa: A Negação Contemporânea da Natureza Humana. São Paulo: Companhia das Letras.


* Felipe Novaes é graduando em Psicologia pela UFRJ e escreve para o blog NERDWORKING. André Rabelo é estudante de graduação do curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Além de ser editor do Blog Ciência - Uma Velha no Escuro, é colaborador do Blog de Astronomia do astroPT e do Bule Voador.

Por Felipe Novaes*



"A engenhosidade humana nos deu meios de aprimorar nosso cérebro, com invenções como a escrita, a imprensa e a internet. Essas drogas deveriam ser encaradas da mesma forma: são coisas que a nossa espécie inventou para melhorar a si mesma". (grupo de neurologistas das Universidades da
Califórnia, da Pensilvânia, de Cambridge e Harvard) (retirado de: Nogueira, 2009)

"Eu tinha que me preparar para um trabalho e resolvi tomar um comprimido. O resultado foi incrível. Consegui estudar 12 horas sem parar.” (Augusto ;26 anos, doutora
ndo, Recife, 2009) (Idem)

E se você conseguisse cursar sua faculdade, trabalhar e ainda, à noite, estudar para passar em algum concurso? Isso seria ótimo, mas, melhor ainda (e mais difícil), seria ser bem-sucedido em tudo. Com o tempo, seu corpo, incluindo seu cérebro, ia sofrer um blackout devido ao excesso de esforço com descanso desproporcional. Talvez, futuralmente, esse cenário não exista mais graças à uma série de medicamentos tarjas-pretas usados por pessoas sem problema algum, que afirmam ter suas capacidades cognitivas, disposição e agilidade mental e física amplados. Mas quais seriam os efeitos colaterais? Será que estamos preparados, individualmente e como sociedade, para esse salto intelectual artificial?

Recentemente assisti a um filme, Sem Limites (Limitless, 2011) que conta a história de Eddie Morra, um escritor que parece estar enfrentando uma maré de azar financeira, social e literária. Sua vida parece estar arruinada e sua aparência péssima, até que encontra um conhecido que oferece uma ajudinha. Essa ajuda inesperada e inicialmnte recebida com ceticismo é uma simples pílula. Quando Morra resolve experimentar, segundos depois tudo ao seu redor se torna mais nítido, claro, sua mente flui de maneira incrível, é como se todas as informações contidas em seu cérebro estivessem ali para ele acessá-las quando bem entender. Rapidamente há uma virada na sua vida. Ele muda sua aparência, escreve seu livro em 4 dias, começa a estudar outras línguas, mercado de ações e com o tempo se torna um gênio adorado por todos, conhecedor de tudo, agradável e rico. E tudo isso sem precisar de longas horas de sono para compensar seu dia agitado.


Esse filme mostra perfeitamente as expectativas para um futuro, que alguns cientistas acham possível que vire realidade, em que as pessoas farão uso de medicamentos chamados de NA (neuroaprimoramento), que prometem transformar todas as pessoas em Sheldons, da série Big Bang Theory, e com o plus da ausência das inabilidades sociais do personagem.

A idéia de ampliarmos nossa capacidade mental levanta diversos questionamentos éticos. Será que é correto realizar esse tipo de intervenção medicamentosa? O que devemos pensar de uma entrevista coletiva de emprego em que um dos candidatos secretamente tomou um NA? Provavelmente ele terá melhor desempenho que os demais, o que deveríamos fazer à respeito? O mesmo serve para a sala de aula, onde, como mostram alguns estudos, muitos alunos já vem fazendo uso desses medicamentos. Há pouco tempo, a revista científica Nature realizou uma enquete que revelou que

um em cada cinco leitores acadêmicos já tinham tomado ritalina, modafinil ou desbloqueadores apenas para ampliar a capacidade intelectual. Outros estudos, realizados nos EUA, mostram que 10% dos adultos já utilizaram pelo menos uma vez anfetaminas para fins “não terapêuticos” e 7% recorreram a estimulantes como ritalina. Quase 60% daqueles que tomam estimulantes com fins não terapêuticos querem melhorar a concentração, e 43% tem como meta permanecer mais alertas. Entre 3% e 11% dos estudantes universitários americanos já recorreram a estimulantes para melhorar o desempenho nos estudos.

Essa questão é complicada também porque o aprimoramento cognitivo não é algo novo. Quando lemos um livro, utilizamos revistas de palavras-cruzadas e meditamos, também estamos melhorando nossa agilidade cerebral e nunca vimos ninguém condenando essas atitudes. Alguns opositores sugerem que o problema é a intervenção química direta em nossos cérebros o grande vilão. Mas o que nós fazemos quando tomamos café, Coca-Cola, chás diversos...?? Estamos ingerindo alimentos ricos em substâncias que irão agir diretamente em nosso sistema nervoso, isto é, a cafeína. Desse ângulo, não tem sentido condenar os usuários de NA, a não ser que proibamos a venda de todas as substância que alteram nossa química cerebral de algum modo que nos beneficie. Mas, assim, estaríamos entrando numa questão ainda maior porque, a verdade seja dita, todos os alimentos agem na química de todo o nosso corpo! É justamente esse o objetivo evolutivo da alimentação, ou seja, repormos todos os componentes necessários para a nossa sobrevivência.

"Fiquei mais inteligente, tudo o que estudo é mais bem aproveitado. Graças ao remédio, passei no vestibular de química e virei um dos melhores alunos da classe. Agora decidi prestar vestibular para economia. Consegui uma bolsa em um cursinho depois de ficar em 1o e 2o lugar em vários simulados. Tenho consciência de que outros estudantes também usam o remédio. Mas espero que ele não se popularize. Afinal, se todo mundo tomar, como vou me destacar?" (Marcos, 21, estudante, Rio de Janeiro, 2009)

Outro ponto interessante são os próprios medicamentos receitados pelos médicos para as pessoas que necessitam de alguma cura. Também é uma intervenção medicamentosa. A diferença, e aí talvez esteja o grande diferencial, é que medicamentos prescritos são direcionados para terapia, tratamentos e não para pessoas que não possuem deficiência. Até que ponto é correto fazermos uso de medicamentos direcionados à pessoas com alguma falta a ser suprida pelos fámacos sendo nós pessoas sãs?


Pensando além de nossa época, imaginemos uma época em que os Nas já estejam liberados para usarmos à vontade. Será que haverá uma distribuição igualitária? Pelos benefícios prometidos, serão fármacos extremamente caros e isso restringiria o consumo a somente aqueles que tivessem condições financeiras para comprá-los. Se mesmo hoje, muitas pessoas não possuem condições financeiras nem de comprar remédios básicos à sua sobrevivência, imagine o grau que isso alcançaria no futuro. Assim, criaríamos um novo tipo de segregação social. Uma entrevista de emprego, uma prova ou um trabalho de escola nunca mais seriam os mesmos. Para poder fazer frente à uma pessoa usuária de NA, seria necessário qu todos também tomassem ou qualquer tipo de disputa seria injusta. Viveríamos num mundo análogo a uma corrida, onde (se já não bastassem as diferenças individuais na inteligência) algumas pessoas já largariam na frente de outras, constituindo assim uma corrida injusta. Ao mesmo tempo, nos vemos tentados a atingir um estágio de existência pós-humano que talvez comece somente com apliadores de desempenho e termine com a fusão do homem à máquina, quem sabe?


ResearchBlogging.org Gary Stix (0). O cérebro turbinado. Especial Scientific American Brasil, Em busca da consciência. (40), 54-61

Tracey J. Shors. (0). Estimulado, cérebro produz e preserva novas células nervosas. Especial Scientific American Brasil, Em busca da consciência. (40), 61-62




* Felipe Novaes é graduando em Psicologia pela UFRJ e escreve para o blog NERDWORKING

4.8.11

Psicologia Baseada em Evidências

Postado por Colaboradores |

Por Aline Couto*

Você provavelmente já ouviu falar na Medicina Baseada em Evidências. É uma prática bastante disseminada na área médica a de escolher tratamentos para determinadas doenças, com base em estudos que demonstrem evidências de resultados satisfatórios. O que poucos sabem, no entanto, é que existe também um movimento a favor da Psicologia Baseada em Evidências em saúde pública.

A Psicologia Baseada em Evidências - PBE (no original, Evidence-Based Practice in Psychology, ou EBPP) tem sido objeto de atenção há alguns anos da American Psychological Association (APA) – que organizou uma força-tarefa em 2005, com o intuito de reunir e divulgar práticas em Psicologia apoiadas em evidências científicas demonstradas na literatura, bem como de fomentar estudos que tragam subsídios para a atuação dos psicólogos e psicólogas. No Brasil, o primeiro livro sobre o assunto será lançado em agosto deste ano.

As práticas em psicologia são avaliadas principalmente de acordo com dois critérios em PBE: eficácia e utilidade clínica. A eficácia diz respeito à força das evidências de relações causais entre uma intervenção estudada e os resultados desta sobre um transtorno específico. A utilidade clínica, por sua vez, inclui aspectos como a possibilidade de generalização do tratamento estudado para contextos mais próximos ao setting natural, a viabilidade e a relação custo-benefício de uma intervenção.

Vários pontos devem ser levados em conta na escolha de uma prática baseada em evidências, citados pela APA:
  • A perícia do psicólogo que irá conduzir o tratamento – que envolve uma análise bem fundamentada do caso e um planejamento claro do tratamento, habilidades interpessoais, auto-reflexão constante, busca de supervisão quando necessário, bom timing para decidir quando é o momento de usar determinada prática ou de modificá-la, atenção para os rumos do tratamento, dentre outros;
  • As características do(s) paciente(s) – se referem a diferenças individuais, como: momento desenvolvimental pelo qual o sujeito está passando, grupo cultural a que pertence, contexto atual de vida (se está passando por estressores significativos, se há comorbidades, e até aspectos financeiros que possam ser impeditivos para determinados tratamentos mais caros, por exemplo).
A busca por evidências em práticas psicológicas pode ser feita lançando mão de diversos métodos de pesquisa. Observações clínicas (como estudos de caso sistemáticos), pesquisas qualitativas, delineamentos experimentais de caso único, pesquisas etnográficas, estudos longitudinais, estudos em contexto naturalístico, estudos com grupos, ensaios clínicos randomizados (randomized controlled trials na literatura, ou ECTs), meta-análises da literatura, dentre outros métodos são complementares para compreender da forma mais abrangente e acurada possível as práticas em psicologia.

Nas publicações científicas, podemos ter contato com vários estudos que possam subsidiar a escolha por um tratamento psicológico. A escolha pelo tratamento que tem mais evidências em favor de bons resultados, no entanto, muitas vezes gera controvérsias. Não se pode esquecer, por entanto, que um tratamento psicológico não pode ser considerado “pior”, ou “inútil” a priori. Basta que haja interesse em estudar e refletir criticamente sobre quaisquer práticas, para então reunir evidências a favor ou contra um determinado tratamento ou intervenção, e, sejam estas evidências a favor ou contra, buscar sempre pontos que possam ser melhorados para que novos estudos sejam feitos. Embora algumas abordagens já tenham demonstrado resultados de forma significativa (a cognitivo-comportamental é um bom exemplo disso, por se dedicar frequentemente à busca de evidências científicas), nada impede que outras abordagens sistematizem e demonstrem que suas práticas também funcionam.

A importância disso, mais do que contribuir para o desenvolvimento da ciência em Psicologia, é de contribuir para a sociedade como um todo. Em saúde pública, um planejamento deve levar em conta quais tratamentos irão ser mais eficientes, pois é interessante para todos que recursos financeiros e de tempo sejam aplicados da forma mais racional possível. Portanto, usar as evidências a favor não é apenas uma questão de posicionamento científico, mas de posicionamento ético.


ResearchBlogging.org
. (2006). Evidence-based practice in psychology. American Psychologist, 61 (4), 271-285 DOI: 10.1037/0003-066X.61.4.271





* Aline Couto é estudante de graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia e escreve para os blogs Comporte-se e Behaviorist Lady.

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