18.6.11

Deixem Que as Crianças Perguntem

Postado por Colaboradores |

Por André Souza*

Nós seres hu
manos gostamos de saber o porquê de tudo. Quem de nós nunca conversou com uma criança curiosa em saber por que o céu á azul, ou por que a luz acende quando apertamos o interruptor? Em outras palavras, desde cedo queremos sempre saber a causa das coisas. E mais interessante ainda, já aos três anos já explicamos as causas das coisas, ou o porquê que as coisas acontecem (pergunte a uma criança de três anos por que o céu é azul e tenho certeza que terá uma explicação bem pláusível -- pelo menos para ela).

Explicar o porquê que as coisas acontecem é, na verdade, uma atividade intelectual muito boa e importante para o desenvolvimento da criança. Vários estudos mostram, por exemplo, que as crianças aprendem matemática muito mais facilmente quando "explicam" um conceito, em oposição a quando elas apenas "lêem" ou "escutam" uma explicação sobre esse conceito. Por isso é importante que desde cedo incentivar o ato de criar explicações.

Basicamente, existem dois tipos de eventos que as crianças podem explicar. Um evento que é consistente com o conhecimento anterior que a criança já possui e um acontecimento que é inconsistente com o conhecimento que a criança tem. Um exemplo: imagine que uma criança veja você apertar o interruptor para acender a luz do quarto. Como ela já viu você fazendo isso várias vezes antes, é parte do conhecimento prévio dela que a luz vai acenda. Isso é um acontecimento consistente com o conhecimento prévio da criança. Imagine, no entanto, que ao apertar o interruptor, a televisão ligue. Isso é um acontecimento que é inconsistente com o conhecimento prévio da criança.

Um estudo recente publicado esse ano no periódico Child Development pelos pesquisadores Cristine Legare, Susan Gelman e Henry Wellman investigou que tipo de acontecimento (consistente ou inconsistente) incentiva mais explicações das crianças. Nesse estudo, as crianças viam uma caixa que se acendia (ou não) quando uma outra peça era colocada em cima dela. Os pesquisadores mostravam para a criança duas dessas caixas e mostravam como as caixas funcionavam (por exemplo, se colocar o cubo azul sobre a caixa ela acende, mas se colocar uma outra peça, ela não acende). Logo após a apresentação das duas caixas, as crianças tinham a oportunidade de fazer as caixinhas funcionarem. No entanto, quando elas tentavam, uma das caixinhas não funcionava de acordo com o que elas viram antes.

O estudo mostrou que as crianças se interessaram muito mais pelos acontecimentos inconsistentes do que com os acontecimentos consistentes. Ou seja, preferiam explicações que tinham haver com o acontecimento inconsistente. E mais ainda. Os acontecimentos inconsistentes foram muito mais propícios a receber uma explicação causal por parte da criança. Em outras palavras, as crianças ficaram muito mais interessadas na "causa" do acontecimento inconsistente do que do acontecimento consistente.

O que isso quer dizer? Bom, muitos pais -- principalmente mães :-) -- tem uma mania muito feia de "preparar" o ambiente da criança o suficiente para que ela nunca encontre uma situação ou acontecimento que seja inconsistente com o que ela ja sabe. Para muitos pais, as crianças se sentem mal e não gostam de situações inconsistentes e adversas. E com isso controlam também as chances que as crianças têm de viver situações que incentivem explicações de natureza mais causal. O interessante de explicações causais é que elas, muitas vezes, não se baseiam apenas em característica superficiais (aparências), o que leva as crianças a buscarem as essências dos acontecimentos que vivenciam. Buscar essências acaba sendo uma característica intelectual importante na vida adulta.

É muito importante saber e entender a importância que nossos comportamentos diários com nossas crianças acabam, de uma forma ou de outra, influenciando o desenvolvimento intelectual e social delas.

E para aqueles que eu tenho certeza que ficaram curiosos para saber por que o céu é azul, aqui vai a explicação: existe um fenômeno conhecido como Rayleigh Scattering, que basicamente é uma forma de espalhamento da luz e de outras ondas eletromagnéticas. A luz do sol é formada por várias cores diferentes -- com ondas de diferentes tamanho --, mas devido à algumas substâncias presentes na nossa atmosfera, cores com ondas mais curtas (ex.: azul) são 'espalhadas' mais facilmente do que cores com ondas mais largas. Mas tenho certeza que vai te dar um pouco de trabalho para explicar isso para seu filho de 4 anos! :-)

Referência
Legare CH, Gelman SA, & Wellman HM (2010). Inconsistency with prior knowledge triggers children's causal explanatory reasoning. Child development, 81 (3), 929-44 PMID: 20573114

* André L. Souza é doutorando em Psicologia Cognitiva pela Universidade do Texas em Austin e escreve para o blog Cognando.

2 comentários:

Júlia disse...

opa, que texto interessante!
essa história da extrema proteção de alguns pais atrapalhar no desenvolvimento cognitivo da criança me lembra aquela coisa de que tem pai tão preocupado com limpeza e germes que a criança acaba não desenvolvendo bem anticorpos.

Anônimo disse...

Extremamente interessante esse texto! Parabéns pelo post e parabéns ao autor!

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