Por André Rabelo*
Em inúmeras situações do nosso cotidiano, fazemos coisas aparentemente sem pensar muito, como quando dirigimos um carro, trancamos a porta de casa mas logo em seguida não lembramos se de fato fechamos, ou subimos escadas de um edifício. “Aonde eu estava com a cabeça” uma pessoa pode dizer ao se dar conta de que jogou na máquina de lavar a roupa limpa que ia usar e vestiu a roupa suja que ia colocar na máquina.
Em casos mais extremos, agir de forma “instantânea” pode ter resultados muito piores do que trocar roupas. Vejamos um exemplo dado por Fiske e Taylor (2008): Pedro está no shopping e vê de repente dois homens negros sendo perseguidos por um segurança branco, ambos vindo em sua direção. Quando Pedro se dá conta do que está acontecendo, o primeiro dos dois homens estava passando ao seu lado, mas ao ver o segundo homem se aproximar Pedro se levanta e o segura, achando que poderia deter ao menos um dos ladrões que o segurança perseguia. O homem agarrado diz que é o dono da loja e que o ladrão (o primeiro homem) estava fungindo.
Esses são exemplos de situações onde as pessoas parecem não estar muito atentas ao que fazem, de tão acostumadas que já estão em realizar certas ações ou de tão pouco tempo que dispõe para tomar uma decisão. Uma parte dos nossos comportamentos parece se dar de forma automática, sem que precisemos deliberar e planejar de forma consciente cada detalhe das nossas ações. A maioria das situações cotidianas demanda que nos comportemos de forma rápida e eficiente, sendo que se tornaria inviável para fins práticos se tivessemos que pensar sobre cada detalhe das nossas ações antes de realizá-las. Isso é o que vários estudos em Cognição Social tem investigado nos últimos anos.
Os pesquisadores dessa área formularam modelos teóricos que buscaram explicar as operações mentais envolvidas no comportamento social das pessoas. Muitos modelos de processamento da informação foram sistematizados por diversos autores nos últimos anos, mas, em geral, boa parte das propostas compartilham de algumas características comuns. Para fins didáticos, podemos nos referir à esses pontos comuns entre os modelos como constituintes do Modelo Duplo de Processamento da Informação.
De forma sucinta, esse modelo busca explicar a diversidade dos pensamentos, sentimentos e comportamentos das pessoas (Fiske e Taylor, 2008), a partir do entendimento de como as pessoas processam as informações e de como variáveis podem influenciar esse processamento.
Algumas nomenclaturas foram sugeridas para designar os componentes desse modelo, entre elas a de Sistema 1 para a dimensão mais automática do processamento de informações, e Sistema 2, para a mais controlada. Na tabela ao lado, são apresentadas algumas características desses dois pólos de processamento da informação (Fiske e Taylor, 2008).
Mais antigo do ponto de vista evolutivo, o Sistema 1 representa um sistema de processamento de informação mais rápido, inconsciente e inflexível, envolvido, por exemplo, na formação das primeiras impressões que criamos de outras pessoas. Algumas áreas cerebrais como a amígdala, o córtex pré-frontal ventromedial, os gânglios basais e o córtex temporal lateral parecem estar especialmente relacionadas à esses sistemas de processamento (Fiske e Taylor, 2008).
O Sistema 2, entendido por alguns autores como sendo único do ser humano e responsável pela nossa capacidade de pensamento abstrato descontextualizado (Evans e Frankish, 2009), representa um sistema de processamento de informação mais lento, consciente e flexível, que pode atuar, por exemplo, quando estamos realizando cálculos durante um exercício de matemática. Esse sistema tem sido relacionado com áreas cerebrais como o córtex pré-frontal lateral, o lobo temporal medial e o córtex parietal lateral (Fiske e Taylor, 2008).
Para compreender como as pessoas transitam entre esses dois sistemas de processamento da informação, motivações como a necessidade de pertencer à grupos, de compreensão do seu ambiente, de controle do seu ambiente, de percepção positiva de si mesmo e de confiança no grupo de pessoas que faz parte tem sido apontadas como importantes variáveis no entendimento da dinâmica entre o Sistema 1 e Sistema 2.
O modelo geral proposto se baseia em um continuum onde o nível de automatismo do processamento da informação varia. Alguns níveis deste continuum foram detalhados por Fiske e Taylor (2008), como são apresentados na tabela abaixo.
Ao longo dos anos foram criados paradigmas experimentais (formas de conduzir uma investigação) que testassem o modelo. Um dos mais importantes foram os estudos de priming, que analisam os componentes mais automáticos do processamento da informação.
Não existe tradução adequada para esse termo, porém a idéia geral do priming é parecida com a de ativação, onde um estímulo ativa determinados pacotes de representações mentais associadas, tornando mais acessível ao indivíduo essas representações e outras que estejam associadas a elas. A melhor forma de entender o que é o priming, e como ele pode ser usado para testar empiricamente o modelo é através da descrição desse paradigma.
Imagine que você é um estudante da Universidade de Nova York em 1996 e foi convidado para participar de um estudo de psicologia (Bargh, Chen e Burrows, 1996). Os estudantes viam de 4 a 25 círculos coloridos em uma série de telas por 2 ou 3 segundos em um computador, e era pedido que eles dissessem se o número de círculos era par ou ímpar (uma tarefa bem monótona e desinteressante).
Depois de 130 apresentações, aparecia uma mensagem de erro na tela do computador dizendo que nenhuma resposta havia sido salva, e que o experimento precisaria de reiniciar. Sem conhecimento prévio, os estudantes tiveram suas faces gravadas, registrando-se suas reações à mensagem, e, posteriormente, sendo revelado e pedida a autorização dos mesmos para utilização do material. Sem o conhecimento deles também, antes de cada apresentação dos círculos eles viam fotos em preto e branco de um “americano africano” ou de um “americano europeu”, a velocidades subliminares (de 13 a 26 milisegundos).
Todos os participantes eram “americanos europeus”. As expressões faciais foram significativamente mais hostis no grupo experimental que foi exposto às imagens de americano africano do que no grupo exposto às imagens de americano europeu. Nesse experimento, emoções hostis foram eliciadas nos participantes através das imagens, que foram mais facilmente expressas devido ao contexto propício para tal manifestação (a situação de irritabilidade diante do erro do computador).
Esse estudo pode sucitar lembranças relativas ao caso das mensagens subliminares em cinemas, onde imagens de refrigerante apresentadas abaixo do limiar da consciência fariam as pessoas tomarem mais refrigerante, o que não foi apoiado por estudos mais acurados feitos logo em seguida. O paradigma de priming não se baseia em uma idéia tão simples quanto à das mensagens subliminares, já que uma série de variáveis podem infuenciar o grau que tal manipulação poderia afetar o comportamento. Porém, teoricamente, esse tipo de efeito é possível de ser obtido, sob determinadas condições experimentais. Uma nota importante é que propagandas supraliminares, ou seja, apresentadas em um nível consciente de percepção, como um panfleto, apresentam efeitos mais robustos que as subliminares, segundo estudos em psicologia do consumidor apontam.
Outro experimento obteve evidências de que ativar conceitos relacionados à velhice pode ter efeitos no comportamento dos indivíduos, como andar mais devagar em um corredor, em relação a indivíduos que foram ativados com categorias desconectadas de velhice (Bargh, Chen e Burrows, 1996).
Esse paradigma experimental foi tão importante que se popularizou na pesquisa da área desde os anos 90. Um exemplo de artigo muito recente foi o que saiu no número do mês de maio do Journal of Personality and Social Psychology, um dos periódico mais importante de psicologia social no mundo atualmente, que realizou estudos experimentais envolvendo o paradigma do priming para estudar a relação entre segurança, autenticidade e honestidade (Gillath, Sesko, Shaver e Chun, 2010).
Bargh JA, Chen M, & Burrows L (1996). Automaticity of social behavior: direct effects of trait construct and stereotype-activation on action. Journal of personality and social psychology, 71 (2), 230-44 PMID: 8765481
Evans, J. S. B. T., & Frankish, K. (2009). In two minds: Dual processes and beyond Oxford University Press
Fiske, S. T., & Taylor, S. E. (2008). Social cognition: From brains to culture (1 ed.) New York: McGraw-Hill.
Gillath, O., Sesko, A., Shaver, P., & Chun, D. (2010). Attachment, authenticity, and honesty: Dispositional and experimentally induced security can reduce self- and other-deception. Journal of Personality and Social Psychology, 98 (5), 841-855 DOI: 10.1037/a0019206
* André Rabelo é estudante de graduação do curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Além de ser editor do Blog Ciência - Uma Velha no Escuro, é colaborador do Blog de Astronomia do astroPT e do Bule Voador.