Fundada em 1930 por Konrad Lorenz e Nikolas Tinbergeen, a Etologia é uma área do conhecimento relativamente nova. O foco das questões da ciência etológica é o comportamento animal e suas nuances. A Etologia visa observar o comportamento animal – humano ou não – a partir de princípios que coadunem com as ideias básicas advindas da teoria da evolução, na lógica da função adaptativa dos comportamentos e da seleção destes comportamentos por meios naturais. Para a Etologia, então, o comportamento é produto e instrumento do processo evolutivo, sendo selecionado em função ao que se refere à capacidade de sucesso reprodutivo que surge da existência dele e possui um alto grau de determinação genética.

O Etólogo ao se deparar com um comportamento tende a fazer quatro perguntas que são fundamentais para o entendimento do comportamento animal em pelo menos parte de toda a sua complexidade. As perguntas feitas comumente pelos estudiosos são: a) Qual é a função do comportamento estudado? (do ponto de vista adaptativo); b) Qual a causa deste comportamento? (fatores causais próximos); c) Como tal comportamento se desenvolve ao longo da vida do indivíduo? (ontogênese); e, por fim, d) Como o comportamento se desenvolveu no decorrer da história evolucionária? (filogênese).

O alvo dos estudos feitos por pesquisadores da etologia podem tomar formas tão diferentes quanto a imensa variedade dos animais presentes do planeta. Os cientistas do comportamento animal tendem a estudar uma gama de tópicos só comparável ao leque da própria psicologia, pois podem em suas pesquisas enfocar desde o comportamento sexual de pequenos animais e insetos até as funções executivas de primatas, buscando com esse conhecimento, entender um pouco mais destes seres com quem a humanidade convive, e assim, entender também um pouco mais sobre os caminhos evolutivos que parecem ter direcionado cada espécie a ser o que se apresenta hoje, inclusive o ser humano.

Em paralelo ao surgimento da Etologia na década de 30, a Psicologia vivia o auge da abordagem comportamentalista e assim este novo olhar acabou por ser fortemente influenciado pelo ideal behaviorista de estudo científico, que visava estipular como objeto do estudo experimental da psicologia o comportamento observável e os processos referentes à interação destes, a partir de experimentos bem delineados, que imputava às respostas comportamentais uma relação causal com estímulos previamente apresentados e a consequente confluência ambiental resultante da ação primeva. Mesmo assim, embora o estudo do comportamento animal por anos tenha se atido à observação inexorável de respostas comportamentais para estímulos diversos e suas consequências, nunca se limitou a fazer perguntas que extrapolassem o escopo teórico e a limitação  tecnológica vivida pela psicologia da época. Ao observar cada espécie em sua particularidade a Etologia acabou por dar ênfase às especificidades de cada uma e ao estudo do ambiente natural onde tais peculiaridades ocorrem, sendo assim, de forma alguma poderia ser estudada que não segundo uma maior flexibilidade metodológica.

O estudo da cognição animal se limitava tanto quanto o estudo das capacidades cognitivas humanas sob a égide do raciocínio comportamentalista, todavia, como exemplo de diversas pesquisas que pretendiam entender um pouco mais sobre este aspecto – na época ainda de improvável comprovação – é possível lembrar pesquisas feitas por teóricos direcionados a qualquer uma das duas disciplinas, tanto a Psicologia quanto a Etologia se permitiam conjecturar sobre as capacidades da cognição humana. Embora alguns pioneiros na testagem da capacidade e atuação cognitiva de animais não sejam especificamente denotados como estudos de etologia, pois tinham como pretensão teórica testar hipóteses referentes a diferentes saberes da psicologia com perspectivas comparativas como aprendizagem, memória e outros, é possível estabelecer uma grande relação de conhecimento que advém destes estudos, e que reflete no desenvolvimento de teorias acerca dos processos mentais de animais não humanos. 

Um dos primeiros etólogos, laureado com um prêmio Nobel, Konrad Lorenz, estudou além de comportamentos agressivos nos animais – posteriormente analisando a ocorrência deles em humanos – também a intensidade da primeira formação mnemônica de aves e que se constitui duradoura para toda a vida, processo esse chamado de estampagem (imprinting), onde alguns pássaros ao nascer tendem a seguir o primeiro ser móvel que observam. As peculiaridades desse processo de estampagem ainda não foram totalmente descobertas mesmo nos tempos atuais, sendo encontradas em diversos tipos de animais, e servido de interconexão com processos do desenvolvimento em humanos. 

Lorenz sendo seguido pelos seus "filhos"

Além de Lorenz, outros estudos podem ser lembrados, mesmo antes da criação da Etologia. Em 1925, divergências sobre como as capacidades de aprendizagem humanas eram apresentadas na época foram testadas pelo psicólogo Wolfgang Köller, um dos mais famosos psicólogos da teoria da forma, buscando ir de encontro a teorias conexionistas de Thorndike que estavam em voga e utilizando como participantes de seus estudos chimpanzés, assim representando a possibilidade da cognição humana a partir dos processos mentais destes primatas. Os estudos de Thorndike focavam na capacidade dos animais de aprenderem a partir da tentativa e erro e da recompensa ganha após uma ação aprendida, para demonstrar a existência de processos que não os quais intricados nas teorias conexionistas, Köller desenhou um experimento onde para alcançar um determinado alimento, o chimpanzé participante de sua pesquisa deveria mover uma caixa de forma que pudesse subir nela a ponto de obter sua recompensa. O observado por Köller foi que, após uma série de tentativas frustradas, o animal parecia se resignar à impossibilidade de obter o seu prêmio, sentando distante e observando a sua situação, apenas para posteriormente voltar à ação e em uma tentativa apenas conseguir ser bem sucedido. O que se entendeu desse experimento foi que, possivelmente, enquanto estava sentado o animal teria chegado à solução do seu problema, obtido um insight, indo de encontro ao que seria proposto pela lei da tentativa-e-erro.

O psicólogo behaviorista e teórico da aprendizagem Edward Tolman em 1948 lançou uma série de estudos que visavam discordar do autor idolatrado por psicólogos comportamentalistas, B. F. Skinner. Tolman acreditava que a aprendizagem não poderia existir apenas sob a lógica do condicionamento instrumental, mas também existia sem a ocorrência de qualquer consequência significante após a ação feita. Para Tolman, era preciso também considerar as intenções e objetivos de um sujeito ao realizar um comportamento, além da capacidade filogenética para aprender naturalmente. 

Para analisar tal hipótese, ele usou de diversos experimentos, em um deles, em um labirinto em forma de T, era concedido aos ratos um reforço apenas se fosse à direção de um dos dois braços (ex. direita). Após uma série de ocorrências, o experimentador trocava a posição inicial do rato, invertendo a posição também de onde estaria a recompensa. Sendo assim, caso o rato permanecesse indo para a posição anteriormente reforçada (ex. direita), a aprendizagem seria apenas motora ou condicionada instrumentalmente, mas caso passasse a ir para o outro lado (ex. esquerda), onde o reforço agora se encontrava, a aprendizagem do animal teria se dado não apenas pelos movimentos feitos e reforçados, mas pela sua capacidade de compreender o espaço ao redor, ao mapa cognitivo do ambiente que havia construído, o que de fato ocorreu. A essa aprendizagem por meio de mapas cognitivos se deu o nome de aprendizagem latente, pois parecia que as informações apreendidas pelos organismos não surgiriam apenas por meio de consequentes reforçadores, mas também pela intencionalidade de utilizá-la.

Os estudos em cognição animal – chamados de Etologia Cognitiva – hoje avançaram de forma considerável, a partir do avanço metodológico que veio com a Revolução das Ciências Cognitivas nas áreas de estudo do comportamento; tecnológico, a partir da criação de computadores, testes e aparelhos de análise potente de circuitos neurais; e de aporte teórico, com a formação da Psicologia Evolucionista. Essa é uma área que ainda se reserva para muitas descobertas futuras e que possui retornos interessantes para a humanidade, como a criação de radares mais perceptivos a partir de estudos com a formação de mapas cognitivos em morcegos com a sua ecolocalização ou mesmo a possibilidade de embasar descobertas comparativas sem o medo de errar por muito, como o recente estudo do brasileiro Miguel Nicolelis, que em nível basal só é possível com o conhecimento de como funciona a maquinaria neural de seus “colaboradores” – como ele mesmo chama – os animais que participam em sua pesquisa.

Lorenz, Tolman e outros em seu tempo, e cada vez mais pesquisadores nos dias atuais vão dando suas contribuições com mais e mais evidências de que a cognição complexa e multifacetada presente em humanos também se faz – qualitativamente diferente, de certo – presente nos outros animais e que este é, com toda a certeza, um campo frutífero e de grande importância não só por parte de biólogos, como psicólogos, mas além de tudo, para a ciência.


ResearchBlogging.org Paz, J. M. G. (2001). Psicologia e Etoprimatologia Cognitiva. Revista de Humanidades e Tecnologia.  

Vieira, M. L. (2005). Contribuições da Etologia para a compreensão do Comportamento Humano. Disponível em http://mbox.cfh.ufsc.br/~lpe/etologia.htm

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