25.5.11

E quando o mundo não acaba?

Postado por Marcus Vinicius Alves |


Há algum tempo foi anunciado que o dia do julgamento final seria o dia 21 de Maio de 2011, este importante comunicado veio pela figura de Harold Camping, radialista evangélico e fundamentalista americano. De acordo com Camping, as suas previsões estariam embasadas na Bíblia e seriam confiáveis, com tal embasamento, sites e igrejas divulgaram tal ocorrência e iniciaram um movimento de medo e fé que se espalhou por todo o globo. Aparentemente, no Brasil não houve uma grande comoção com o surgimento dessas notícias, mas ainda foi possível observar focos que revelaram a preparação para o dia que seria santo para aqueles que fossem adeptos de uma religião específica, mas não tão santo assim, para os que não se arrependessem.

O anúncio do juízo final trouxe reações de todos os tipos, de crentes se preocupando com a volta do salvador, até pessoas que se submeteram a uma verdadeira estratégia de guerra apocalíptica – termo que, nessa situação, finalmente ganha o caráter literal – vendendo tudo que possuíam e preparando reservas e alimentos para meses de privação. Neste interim, até alguns ateus aproveitaram a maré para brincar e, claro, lucrar com essa situação ao oferecer um serviço bastante especializado.

Como já acontecera em outros anúncios apocalípticos, o mundo não acabou. Não é brincadeira, olhe pela janela e verifique. Agora, o que esse caso teria de interessante para psicólogos, estudantes de psicologia e interessados em psicologia (foco do blog), simples, neste mundo pós-apocalíptico em que estamos agora vivendo (que informo, não mudou muita coisa, caso você não tenha verificado), a lógica comum sugere que aqueles que se entregaram de corpo e alma aos prenúncios de outros tempos – mais especificamente, ao fim de qualquer tempo – estariam hoje desolados e decepcionados com a sua religião, a ponto de, talvez, mudar todo o seu sistema de crenças. Alguns ateus até apostaram nessa possibilidade a fim de angariar dissidentes para a causa cética, mas a verdade é que nossos sistemas de crenças são mimados demais e não costumam se adaptar à lógica quando a lógica vai de encontro a elas.

Como já foi dito, outros casos onde rumores que anunciavam o fim dos tempos (ou pelo menos uma espécie de redenção mística para aqueles que congregam algum tipo de grupo religioso) já aconteceram, e foi em um desses casos que uma das teorias mais difundidas da psicologia social pôde ser estudada. O caso em questão não possuía ligações cristãs, mas sim ufológicas, o psicólogo responsável pela investigação foi Leon Festinger, na época professor de psicologia da Universidade de Stanford, e a teoria resultante dos seus estudos foi chamada de “Teoria da Dissonância Cognitiva”.


Leon Festinger e O Chamado do Planeta Clarion

Quando Festinger e seus colaboradores leram em um jornal local que uma dona de casa chamada Marian Keech havia previsto o fim do mundo a partir de misteriosas mensagens alienígenas vindas do Planeta Clarion, logo perceberam o potencial para sanar uma curiosidade científica.

Os alienígenas de Clarion – por intermédio de sua profetisa, Keech - afirmavam que o mundo acabaria no dia 21 de Dezembro de 1954. A Sra. Keech frequentava um culto ufologista, que ao saber das notícias em primeira mão, resolveu tomar atitudes extremamente rígidas para provar que suas crenças em direção ao fim dos tempos e fé nos conselhos extraterrenos eram inabaláveis. O grupo acabou pedindo demissão de seus empregos, os que estudavam abandonaram colégios e universidades, e aqueles que tinham doaram todo o seu dinheiro e posses para que assim estivessem aptos a embarcar no disco voador mandado para salvar aqueles que seriam os iluminados.

Festinger e seus colegas se infiltraram no grupo da Sra. Keech, esperando a falha da suposta profecia, interessados nas reações dos indivíduos no suposto dia final. Eles acreditavam que, por ser de difícil mudança, as crenças passariam incólumes pela decepção do grupo e se reestruturariam de forma a reduzir a tensão interna causada pela falha, culminando em justificativas que ligassem uma a outra, sem abalar tal sistema, logo, Festinger acreditava que elementos que equilibrassem a consonância iriam ser fundamentais ao grupo e surgiriam naquela noite.

No dia estipulado, o grupo da Sra. Keech se reuniu, sem nenhum metal no corpo e munidos de sua fé imensurável, a espera de sua salvadora carona. Quanto mais o tempo passava, mais as pessoas ficavam desconfortáveis, até que ao fim do dia, como nenhuma visita extraterrena havia aparecido, o silêncio ensurdecedor tomou conta da sala onde se reuniu o grupo. Neste momento, em um rompante, a Sra. Keech começa a chorar e a avisar que recebera outras notícias divinas, o mundo seria poupado, pois aquele grupo de fé memorável positividade suficiente para acalmar os corações dos deuses astronautas, o mundo seria poupado, por eles.

O grupo se regozijou com a conquista e passou a divulgar fortemente na mídia as boas novas, não houve dúvida, não houve choque, as crenças estavam corroboradas e agora possuíam ainda mais força. O grupo em si agora estava mais forte e unido. O grupo da Sra. Keech cresceu com os anos, mas foi naquela sala em 1954 que se tornou o primeiro caso de “Dissonância Cognitiva” investigado pela psicologia.



A Teoria da Dissonância Cognitiva

O vivenciado por Festinger e seus colaboradores foi publicado no livro “When Prophecy Fail”, de 1956. O ocorrido permitiu o desenvolvimento de uma teoria explicativa que fez com que Festinger e outros pesquisadores da psicologia social realizassem uma série de experimentos posteriores para consolidá-la, muitos dos quais traçaram resultados interessantes.

A teoria sugere que um confronto entre crenças e comportamentos de um indivíduo irá gerar uma tensão psicológica desconfortável devido a sua natureza inconsistente. A dissonância cognitiva então é uma teoria onde automaticamente as pessoas deixam de enxergar alguns pontos pouco consistentes em suas atitudes ou crenças para que estas não abalem suas convicções. A necessidade para manter esse equilíbrio é tanta que até mesmo as nossas lembranças de ocorridos podem ser alteradas, construindo algumas falsas memórias o organismo possibilita o fortalecimento da crença pelo indivíduo que está experimentando essa situação. Cientistas ainda encontraram algumas relações fundamentais para esse fenômeno, por exemplo, a correlação positiva entre a quantidade do esforço realizado para as ações decorrentes das crenças e a dissonância após a falha delas. Responsabilidade pessoal por consequências indesejadas são as causas mais poderosas para uma dissonância.

Não só em casos de profecias apocalípticas esse fenômeno surge, um bom exemplo de sua comum incidência é o trânsito. Particularmente, costumo chamar o trânsito de Salvador (minha cidade e também um dos piores trânsitos do Brasil) de “Reino da Dissonância Cognitiva”, você mesmo pode fazer uma busca em sua memória de quantas vezes não deve ter agido segundo as implicações desse fenômeno sem nem perceber. E agora, me implicando na situação e me lembrando de um ocorrido... Peço desculpas ao Ford Ka preto que – pela pressa e urgência do momento, claro – acabei fechando ontem.



E quando o mundo não acaba?

Após entendermos um pouco mais do que acontece com os indivíduos que, ao se entregarem convictamente às suas crenças e as estabelecem inabaláveis, verídicas e justificáveis, podemos voltar a 2011, com o caso das previsões de Harold Camping. Quando vi as notícias recentes sobre o possível Juízo final, sendo psicólogo, me interessei profundamente, pois estaria ali mais uma oportunidade de observar os comportamentos resultantes da confluência frágil entre crenças apocalípticas e a realidade inexorável. A verdade é que casos assim não acontecem o tempo todo (será mesmo?), possuem grandes resultados em suas comunidades e muita visibilidade na mídia, assim as notícias posteriores ao dia previsto por Camping surgiriam e seriam de fundamental importância para essa investigação.

A pergunta principal desse texto pôde ser finalmente respondida, o que aconteceria após a profecia não ser realizada? Segundo a teoria da Dissonância Cognitiva, a crença no juízo final agora estaria mais forte entre os adeptos, por mais que aos não adeptos isso soe absurdo, as justificativas daqueles que se dedicaram com enorme fidelidade aos anúncios se mostrariam ainda mais cega e a predisposição ao fortalecimento grupal aumentariam.

Uma busca pelas notícias vai nos mostrar cenas terríveis, de pessoas que, pelo medo e descontrole, acabaram por arruinar as suas vidas e as suas famílias. As justificativas, lógico, tomam a forma de preocupação, zelo e condescendência. Enquanto isso, os seguidores de Harold Camping buscam justificativas que possam – sem fazer ruir as suas crenças – explicar o acontecido. Alguns, após cruzar cidades para presenciar o arrebatamento ao lado de seu mentor, agora afirmam serem céticos, outros, que não conseguem compreender o ocorrido e há ainda os que acreditam que o não arrebatamento se deu por intermédio divino, como um teste de fé, teste este em que provavelmente passou.

Um bom exemplo para fortalecer ainda mais nossa investigação é o próprio Camping. Em primeiro lugar, como ter certeza de que sua crença no que afirmou é legítima e não uma estratégia para ter mais fama ou algo do tipo? Difícil saber, mas o fato dele ter gastado mais de 100 milhões de dólares para divulgar o ocorrido pode ser um bom indício. Já em sua décima tentativa de acertar o dia em que acontecerá o arrebatamento, e cada vez mais certo de que está próximo de estimar o dia correto (1, 2, 3..), Camping é um exemplo triste de como confiar cegamente em suas crenças, sem nunca fazer um teste de falseabilidade, é incrivelmente perigoso. Outros grupos que acreditam no apocalipse passaram a criar suas teorias, que por não ter identificação grupal com Camping, não o poupam, o chamando de “falso profeta”, terminam por atacar a imagem do radialista americano, ao mesmo tempo que a usam para fortalecer os as convicções nos escritos bíblicos e no fim próximo.


A resposta para quando mundo não acaba é que aqueles que se entregam demais à preocupação em relação ao fim, esquecem que esse ponto é o que menos importa, quando não se vive bem o caminho até ele. Os alienígenas não causaram a destruição do mundo em 1954, nem em 2010. O arrebatamento e o juízo final não aconteceram no dia 21 de Maio, e não acontecerá na sua nova data, em 21 de Outubro. Provavelmente o mundo não acabará em 2012, proveniente de um choque entre planetas. O planeta durará ainda bilhões de anos e será um dia incinerado pelo Sol, por causas naturais. Infelizmente não posso afirmar que o ser humano estará presente até lá para finalmente vivenciar uma profecia realizada, essa existência depende menos de causas sobrenaturais do que da nossa própria capacidade de destruição. Enquanto isso não acontece, ao menos torço para que mais pessoas aprendam – mesmo que aos poucos – a ter dúvidas e a gostar de tê-las, pois esse pode não ser o único, mas questionar as crenças de outrem e as suas próprias é um bom caminho para evitar que mais sofrimento semelhante aconteça, fruto da credulidade deletéria no discurso daqueles que pouco se importam com as consequências de suas ações.

Festinger, L., Riecken, H., Stanley, S. (1956). When Prophecy Fails. New York: Harper and Row

19.5.11

Eureca!

Postado por Brena Carvalho |


Na primeira parte desse post falamos sobre a consciência e a possibilidade da criação desta por meios artificiais, por mãos humanas. Embora com outra roupagem, há inúmeras criações artísticas que surgiram deste questionamento. Desde a mitologia grega, com a história de Galatéia, construída no mármore por Pigmaleão, que terminou por receber de Afrodite o toque da vida, até o golem Frankenstein da escritora Mary Shelley, cujo nome se tornou referência do receio que algumas pessoas têm de que toda criação de vida, inteligência e consciência artificial possa se voltar contra o seu criador em um afã violento pela liberdade cerceada.

No clássico Eu, Robô, Isaac Asimov tentou desmitificar a visão temerosa acerca da existência de robôs artificialmente inteligentes, tratando os robôs como seres que se dedicariam aos homens de forma inapelável, colocando acima de sua própria existência a vida humana. Nos livros de Asimov foram então criadas as três leis da robótica – que iam de encontro à ideia de que a criação de inteligência artificial seria um risco para a humanidade – mas também criando a profissão de psicólogos de robôs, profissionais que trabalhariam constantemente com a saúde mental artificial. Propondo não o medo, mas sim o cuidado com essa nova esfera mental que poderia vir a existir. Seguindo pela mesma direção, Douglas Adams – com sua veia satírica e crítica – criou robôs que se emocionam, se alegram e até o Marvin, um particular robô que sofre por ser inteligente demais, sendo acometido por uma depressão imensurável, na sua série de livros O Guia do Mochileiro das Galáxias.

O filósofo John Searle argumentou que não haveria como existir um sistema artificial capaz de organizar pensamentos genuinamente conscientes. Para exemplificar, Searle utilizou o conhecido “argumento do quarto chinês”, onde assemelha uma máquina que dá respostas de aparente consciência a um homem em um quarto fechado que recebe e repassa informações aprendidas em um manual previamente escrito, sem realmente entendê-las. Para Searle, por mais avançada que seja a tecnologia, nada poderá replicar a capacidade humana da compreensão e inserção no mundo e na sociedade.

Todavia, tal debate ainda está em sua forma primária e mesmo uma série de posts maior não seria suficiente para exaurir os milhares de tópicos concernentes a essa discussão. Muito há o que se perguntar, não só em seus aspectos filosóficos, que tangem mesmo a possibilidade de tal existência, mas também relacionada aos aspectos éticos e tecnológicos deste avanço. Mesmo que as possibilidades da tecnologia atual ainda não se encontrem em plena capacidade de permitir tal reprodução, pensar no impacto que essa criação teria na sociedade é extremamente interessante.

Reproduzir um cérebro artificialmente se mostra com o passar do tempo uma tarefa difícil, mas valiosa para a tecnologia e a ciência, e um empreendimento sedutor para a imaginação daqueles que se encantam com o potencial da nossa consciência.



ResearchBlogging.orgSearle, J. R. (1980). Mind, Brains and Programs Behavioral and Brain Sciences, 3 (3), 417-457

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